quarta-feira, 12 de novembro de 2008
AMOR A FORÇA, OU A FORÇA DO AMOR?
“Põe-me como selo sobre o teu coração,
como selo sobre o teu braço,
Porque o amor é forte como a morte,
E inexorável como o Sheol a paixão,
Sua chama é chama de fogo
Veementes labaredas de Javé
As muitas águas não poderiam apagar o amor,
Nem os rios afogá-lo;
Ainda que alguém desse todos os bens da sua casa pelo amor, seria de todo desprezado”
“que acreditam nas flores vencendo os canhões.”
Este verso faz parte da bem conhecida canção de Geraldo Vandré – “Prá não dizer que não falei de flores”. Canção de protesto e de luta. Uma canção de resistência.
Flores e canhões.
Flores são a maneira silenciosa e carinhosa de expressar o amor. Os canhões, por sua parte, o poder.
Queremos meditar brevemente sobre o tema: Amor e Poder.
Amor entendido como sendo mais que um sentimento. Uma relação. Relação de dois iguais, mulher e homem, garoto e garota.
Poder compreendido, não como uma dominação aberta, declarada, porém, sutil, velada.
E isso no livro de Cantares.
Nele entramos pela porta dos fundos, como quer o verso 7b
“Ainda que alguém desse todos os bens da sua casa pelo amor, seria de todo desprezado”
Esse aforismo é a janela na qual debruçaremos para olhar essa coleção de poemas. Esse dito é meditação de sábio que redatou o livro de maneira a construir uma instrução sobre o amor enquanto relação.
Tal instrução quer mostrar a beleza exultante do amor entre homem e mulher e o poder que ameaça de contínuo essa relação.
O amor é descrito de forma poética, romântica, terna. É um exagero que não pode ser expresso nem com “mil rosas roubadas”. É a convivência apaixonada da mulher com o homem, do garoto com a garota.
“Eu sou para meu amado e seu ardente desejo o traz a mim. Vem, ó meu amado, saiamos ao campo, passemos as noites nas aldeias. Levantemo-nos cedo de manhã para ir às vinhas; vejamos se já florescem as vides, se se abre a flor, se já brotam as romeiras; dar-te-ei ali meu amor.” 7.11-13
Numa paisagem bucólica e afrodisíaca, o encantamento mútuo destila toda emoção, prazer e sensualidade que pode existir num leito à relva, na penumbra dum quarto.
A paixão da relação chega às raias dos sonhos, devaneios:
“sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, pois desfaleço de amor.” 2.5
A imaginação rompe as barreiras do impossível, atravessa os vales do insondável e vai repousar sobre o corpo da amada, do amado.
É a linguagem do amor. Amor criado com carinho, alimentado com paixão. É o amor conquistado com palavras doces e suaves, mágicas, buquê de flores, gestos amenos.
Poesia e sedução, alegria e emoção. Que rio pode afogá-lo? Que águas apagá-lo?
Entretanto, à espreita está o poder, a dominação sutil e cotidiana.
O sábio sabe da ameaça e procura divisá-la. E o faz tomando Salomão como figura idealizada daqueles que exercem o poder como determinante das relações.
“Cântico dos Cânticos sobre Salomão.” 1.1a
Os Cânticos não são de Salomão, nem para ele, senão sobre Salomão, isto é, o cantar dos Cantares é uma veemente crítica ao modo como “Salomão” trata o amor, como “ele” age numa relação a dois.
“O rei me introduziu nas suas recâmaras.” 1.4b
O ato de introduzir requer certa imposição. A moça foi levada à força para os aposentos do rei, que depois de possuí-la, lança-a no harém, lugar de esquecimento aonde vão as mulheres não amadas, compradas, exigidas como tributo, exibidas como troféu.
“Sessenta são as rainhas, oitenta a concubinas e a virgens sem número.” 6.8
Tal é o harém!
“Que é isso que sobe pelo deserto ... É a liteira de Salomão; sessenta valentes estão ao redor dela ... Todos sabem manejar a espada. O rei fez para si um palanquim de madeira do Líbano ... colunas de prata, assento de púrpura e tudo interiormente ornado com amor pelas filhas de Jerusalém.” 3.6-10
O tirano não sabe amar, ter uma relação de diferentes-iguais. Empreende um desfilar de seus dotes e bens, de sua bem equipada e treinada guarda pessoal. Exibe seu poder, sua sedução está na força. Tudo pelo amor. Inútil! Tais lisonjas não se coadunam com a expectativa da outra pessoa que quer se deixar conquistar, seduzir, não ser conquistada, seduzida à força.
A estratégia não sensibiliza a moça, antes, causa uma resistência:
“O meu amado é meu e eu sou dele ...” 2.16a
A resistência vem em forma de amor. É amando espontânea, sincera e verdadeiramente que se faz resistência ao poder e brutalidade da tirania sutil que assalta toda relação a dois. A ela se responde com um amor suave e delicado, forte como a morte.
O mais sublime dos Cânticos é uma canção de resistência, como o é a canção de Vandré. Resistência ao poder sorrateiro que quer impor uma relação e impor-se na relação. Contra tal:
“há que endurecer, porém sem perder a ternura.” (Chê)
O perfume exalado de uma relação de diferentes-iguais estão nas flores às vossas mãos. Às mãos daqueles que:
”acreditam nas flores vencendo os canhões”
Amém.
Rev. Dr. José Roberto Cristofani é Pastor da Igreja Presbiteriana Independente, Doutor em Bíblia e Educador.
Visite: www.sapiencial.com.br
como selo sobre o teu braço,
Porque o amor é forte como a morte,
E inexorável como o Sheol a paixão,
Sua chama é chama de fogo
Veementes labaredas de Javé
As muitas águas não poderiam apagar o amor,
Nem os rios afogá-lo;
Ainda que alguém desse todos os bens da sua casa pelo amor, seria de todo desprezado”
“que acreditam nas flores vencendo os canhões.”
Este verso faz parte da bem conhecida canção de Geraldo Vandré – “Prá não dizer que não falei de flores”. Canção de protesto e de luta. Uma canção de resistência.
Flores e canhões.
Flores são a maneira silenciosa e carinhosa de expressar o amor. Os canhões, por sua parte, o poder.
Queremos meditar brevemente sobre o tema: Amor e Poder.
Amor entendido como sendo mais que um sentimento. Uma relação. Relação de dois iguais, mulher e homem, garoto e garota.
Poder compreendido, não como uma dominação aberta, declarada, porém, sutil, velada.
E isso no livro de Cantares.
Nele entramos pela porta dos fundos, como quer o verso 7b
“Ainda que alguém desse todos os bens da sua casa pelo amor, seria de todo desprezado”
Esse aforismo é a janela na qual debruçaremos para olhar essa coleção de poemas. Esse dito é meditação de sábio que redatou o livro de maneira a construir uma instrução sobre o amor enquanto relação.
Tal instrução quer mostrar a beleza exultante do amor entre homem e mulher e o poder que ameaça de contínuo essa relação.
O amor é descrito de forma poética, romântica, terna. É um exagero que não pode ser expresso nem com “mil rosas roubadas”. É a convivência apaixonada da mulher com o homem, do garoto com a garota.
“Eu sou para meu amado e seu ardente desejo o traz a mim. Vem, ó meu amado, saiamos ao campo, passemos as noites nas aldeias. Levantemo-nos cedo de manhã para ir às vinhas; vejamos se já florescem as vides, se se abre a flor, se já brotam as romeiras; dar-te-ei ali meu amor.” 7.11-13
Numa paisagem bucólica e afrodisíaca, o encantamento mútuo destila toda emoção, prazer e sensualidade que pode existir num leito à relva, na penumbra dum quarto.
A paixão da relação chega às raias dos sonhos, devaneios:
“sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, pois desfaleço de amor.” 2.5
A imaginação rompe as barreiras do impossível, atravessa os vales do insondável e vai repousar sobre o corpo da amada, do amado.
É a linguagem do amor. Amor criado com carinho, alimentado com paixão. É o amor conquistado com palavras doces e suaves, mágicas, buquê de flores, gestos amenos.
Poesia e sedução, alegria e emoção. Que rio pode afogá-lo? Que águas apagá-lo?
Entretanto, à espreita está o poder, a dominação sutil e cotidiana.
O sábio sabe da ameaça e procura divisá-la. E o faz tomando Salomão como figura idealizada daqueles que exercem o poder como determinante das relações.
“Cântico dos Cânticos sobre Salomão.” 1.1a
Os Cânticos não são de Salomão, nem para ele, senão sobre Salomão, isto é, o cantar dos Cantares é uma veemente crítica ao modo como “Salomão” trata o amor, como “ele” age numa relação a dois.
“O rei me introduziu nas suas recâmaras.” 1.4b
O ato de introduzir requer certa imposição. A moça foi levada à força para os aposentos do rei, que depois de possuí-la, lança-a no harém, lugar de esquecimento aonde vão as mulheres não amadas, compradas, exigidas como tributo, exibidas como troféu.
“Sessenta são as rainhas, oitenta a concubinas e a virgens sem número.” 6.8
Tal é o harém!
“Que é isso que sobe pelo deserto ... É a liteira de Salomão; sessenta valentes estão ao redor dela ... Todos sabem manejar a espada. O rei fez para si um palanquim de madeira do Líbano ... colunas de prata, assento de púrpura e tudo interiormente ornado com amor pelas filhas de Jerusalém.” 3.6-10
O tirano não sabe amar, ter uma relação de diferentes-iguais. Empreende um desfilar de seus dotes e bens, de sua bem equipada e treinada guarda pessoal. Exibe seu poder, sua sedução está na força. Tudo pelo amor. Inútil! Tais lisonjas não se coadunam com a expectativa da outra pessoa que quer se deixar conquistar, seduzir, não ser conquistada, seduzida à força.
A estratégia não sensibiliza a moça, antes, causa uma resistência:
“O meu amado é meu e eu sou dele ...” 2.16a
A resistência vem em forma de amor. É amando espontânea, sincera e verdadeiramente que se faz resistência ao poder e brutalidade da tirania sutil que assalta toda relação a dois. A ela se responde com um amor suave e delicado, forte como a morte.
O mais sublime dos Cânticos é uma canção de resistência, como o é a canção de Vandré. Resistência ao poder sorrateiro que quer impor uma relação e impor-se na relação. Contra tal:
“há que endurecer, porém sem perder a ternura.” (Chê)
O perfume exalado de uma relação de diferentes-iguais estão nas flores às vossas mãos. Às mãos daqueles que:
”acreditam nas flores vencendo os canhões”
Amém.
Rev. Dr. José Roberto Cristofani é Pastor da Igreja Presbiteriana Independente, Doutor em Bíblia e Educador.
Visite: www.sapiencial.com.br
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